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domingo, 17 de março de 2013

O Santo Graal


O Santo Graal é um dos mais antigos e enigmáticos mitos da humanidade. Sob uma análise superficial, é o cálice usado por Jesus Cristo no episódio da Última Ceia e que contém seu sangue, que havia sido recolhido no momento da crucificação. O termo Graal, no francês arcaico, significa bandeja. Por outro lado, pode ter origem latina, no vocábulo Gradalis, que significa cálice. Já o termo Sangraal seria uma variação etimológica de Sangue Real.

Ao longo da história do cristianismo, a veneração por relíquias sagradas foi uma das mais corriqueiras demonstrações de fé vinculadas ao catolicismo. Esse tipo de experiência de fé visava reforçar materialmente a crença na história de vida dos santos e de Jesus Cristo. Por isso, principalmente a partir da Idade Média, as relíquias se transformaram em alvo da adoração e da constituição de várias lendas que descreviam os grandes poderes destes artefatos sagrados.

Em meio a tantas relíquias, o Santo Graal tem um significado especial, pois se trata de um suposto objeto utilizado por Cristo durante a Última Ceia. Ao longo do tempo, as interpretações e simbologias em cima desse objeto sagrado ganharam novas versões que, inclusive, inspiraram a narrativa do best-seller “O Código da Vinci”. Contudo, os estudos sobre o cristianismo primitivo em pouco contribuem para que essa crença se transformasse em realidade.


No primeiro século, os valores cristãos eram populares entre pessoas de origem humilde e que não tinham condições de ostentar nenhum tipo de luxo material maior. Por isso, caso o Santo Graal realmente existisse, não poderíamos imaginá-lo como um utensílio sofisticado e valioso. Além disso, os próprios relatos sobre a Última Ceia contidos nos evangelhos bíblicos não fazem nenhuma menção especial a qualquer objeto utilizado na última celebração entre Cristo e seus apóstolos.


No entanto, com o passar dos séculos, outros textos considerados sagrados foram responsáveis por articular a lenda que se criou em torno do Santo Graal. Em um desses textos, também conhecidos como evangelhos apócrifos, encontramos a menção de um cristão que, durante o julgamento e a crucificação de Cristo, teve o cuidado de zelar por utensílios supostamente utilizados pelo líder messiânico. Dessa maneira, estariam nesses relatos a origem do mito sobre o copo da Última Ceia, o Santo Graal.


Um dos responsáveis por dar continuidade ao mito do Graal foi um poeta medieval francês chamado Chrétien de Troyes. Em um de seus poemas épicos, Troyes contava a história de Percival, um camponês que se juntou aos cavaleiros do Rei Arthur e se lançou ao mundo em busca de aventuras. A certa altura da história, o cavaleiro Percival se depara resignadamente com uma procissão onde alguns cristãos carregavam valiosas relíquias, sendo uma delas “um graal”.


A história, que não teve prosseguimento pela morte de seu autor, diz em suas partes finais que o Graal avistado pelo cavaleiro tinha o poder de evitar várias intempéries. Apesar de mal explicada, a história do poeta francês foi importante para que o caráter divino do Graal fosse posteriormente explorado por outros escritores. Segundo alguns estudiosos, o termo “graal”, primeiramente utilizado por Troyes, faz referência a um tipo de prato raso, e não ao cálice que costuma simbolizar a famosa relíquia.


Algumas décadas após a morte de Troyes, a história por ele iniciada foi retomada por vários autores que reinventaram os destinos de Percival e o valor daquele graal. Em meio às reinvenções, os cavaleiros do rei Arthur perseguiriam o Santo Graal com o objetivo de curar e instruir o lendário rei Arthur. Entre os cavaleiros estava o puro Galahad, que ao encontrar a relíquia descobre importantes revelações sobre o mundo.



Na Idade Moderna, as famosas histórias do Santo Graal e das demais relíquias do mundo medieval se depararam com as críticas do movimento protestante. A crença e a compra das relíquias eram atacadas como um tipo de atividade contrária a outras mais importantes práticas cristãs. Contudo, a lenda conseguiu sobreviver ao longo do tempo e, no século XIX, foi relacionada com a Ordem dos Cavaleiros Templários, ordem religiosa criada no século XII com a missão de proteger a cidade de Jerusalém.


Essa interpretação histórica foi fundada a partir da leitura de um poema alemão intitulado como “Parzival”. Nessa obra, o graal é descrito como uma pedra protegida por um grupo de guerreiros chamados de “templeisen”. Anos depois, saberiam que esses indícios que ligavam o graal aos templários era fruto de uma interpretação errônea dos termos encontrados no poema alemão. Contudo, essa vinculação foi tomada como verdade durante um bom tempo.


No final do século XIX, em meio ao “boom” das descobertas arqueológicas, um grupo de pesquisadores resolveu imitar o fictício Percival, e assim saíram em busca do Santo Graal. Com o início da empreitada, vários “graais” foram encontrados e posteriormente desmascarados. No entanto, a lenda do graal ganhou um novo fôlego com o surgimento de grupos esotéricos que compreendiam o Santo Graal como um conjunto de textos sagrados de profunda importância religiosa.


A última e mais famosa versão sobre esse mito tenta levantar indícios pelos quais o Santo Graal, na verdade, faria uma truncada menção à expressão “sangue real”. Com base em tal premissa, acreditariam que o sangue real supõe a existência de uma linhagem de descendentes de Jesus Cristo que, segundo outras supostas fontes documentais, teria deixado herdeiros a partir de sua união com Maria Madalena. E assim, a lenda do graal cresce com novas, acalentadoras e instigantes promessas.


Origens Celtas



A origem do mito pode ser analisada sob um ponto de vista pré-cristão. Sabe-se que entre os celtas, recipientes utilizados para armazenar alimentos, eram considerados objetos sagrados. Este conceito estende-se ao caldeirão mágico (representando o útero da Deusa) referencial de ritos pagãos, capaz de renovar e ressuscitar.


Portanto, partindo do princípio que os celtas instalaram-se em diversas regiões da Europa, inclusive onde atualmente é o Reino Unido, e as primeiras citações históricas do Graal referem-se às lendas arthurianas, que, por sua vez, surgiram nesta região, é possível que o mito do Cálice Sagrado tenha apenas se transportado através dos séculos e sido adaptado ao Graal; desta vez, através de uma releitura cristã. Porém, mesmo entre os celtas, já havia uma lenda semelhante de um valoroso líder que saía em busca de um caldeirão sagrado.


Numa narrativa mais fantasiosa, o próprio Cristo, quando esteve na Cornualha, recebeu de presente um cálice de um druida (sacerdote celta). Jesus atribuía um valor especial e este objeto. Após o episódio da crucificação, José de Arimatéia decidiu levar o objeto, já santificado pelo sangue de Jesus, de volta ao sacerdote celta. Este sacerdote celta seria Merlin, o poderoso mago das lendas da Távola Redonda.

Origens Cristãs



Há, pelo menos, duas versões para justificar a origem e o desenvolvimento histórico do mito. Numa primeira análise, a lenda conta que José de Arimatéia recolheu no cálice utilizado na Última Ceia, o sangue de Jesus, no momento em que este era crucificado, após o último golpe de lança aplicado pelo soldado romano conhecido por Longinus.


José, que era membro do Sinédrio (tribunal judeu) e um homem de posses, solicitou ao imperador Poncio Pilatos o corpo de Cristo como uma "recompensa" por seus préstimos ao império. Pilatos atendeu ao pedido e José enterrou o corpo de Cristo em suas terras.

Após este fato, José de Arimatéia, que secretamente era seguidor de Cristo, teria sido feito prisioneiro pelos judeus por ocasião do sumiço do corpo de Cristo. José ficou muito tempo como prisioneiro numa cela sem janelas, alimentando-se apenas de uma hóstia diária, entregue por uma pomba que se materializava. Certa vez, o próprio Cristo surgiu diante de José entregou-lhe o Graal com a missão de protegê-lo.

Após conquistar a liberdade, utilizou-se de uma conhecida rota comercial e viajou para Inglaterra, levando consigo o Cálice Sagrado. Ao chegar, reuniu alguns discípulos de Cristo e fundou uma pequena Igreja, onde atualmente há as ruínas da Abadia de Glastonbury. Porém, não é possível afirmar onde o Graal teria sido ocultado a partir deste momento.


Numa segunda versão, Maria Madalena (que em interpretações não-canônicas, poderia ser esposa de Cristo), teria tomado posse do cálice e levado para a França, onde passou o resto da vida.

Em ambas versões, após o Cálice Sagrado chegar em terras européias, seja através de Maria Madalena ou José de Arimatéia, segue diversas rotas entre os alguns países deste continente e confunde-se entre a história e a literatura medieval.

  
Trajetória do Graal na história



A continuidade mais conhecida sobre o destino do Graal, atesta que este teria ficado sob a tutela dos Templários. Assim, os Cavaleiros teriam levado o cálice para a aldeia francesa de Rennes-Le-Château. Sob outra narrativa, o Graal teria sido levado para a cidade de Constantinopla e em seguida para Troyes, onde no período da Revolução Francesa (a partir de 1789), teria desaparecido misteriosamente.


Uma outra versão atesta que os cátaros, um grupo cristão que vivia isolado na fortaleza de Montsegur e pregava uma fé simples, oposta às imposições clericais, ocultavam uma relíquia religiosa de valor muito alto. Mas, em meados do século XIII, os cátaros foram vítimas de uma invasão de cruzados ordenada pelo Papa. Mais de duzentos membros da doutrina foram queimados sob a acusação de heresia e a misteriosa relíquia desapareceu durante a investida dos soldados. Mas não há nenhuma evidência confiável indicando que fosse o Graal.


Neste mesmo período, surgem boatos de que os cruzados que regressavam de Jerusalém traziam consigo uma âmbula contendo o sangue de Cristo; contradizendo e confundindo ainda mais a rota histórica do Santo Graal. 


Entretanto, através de estudos arqueológicos e investigações profundas, tomando como base também os primeiros registros literários, foi possível traçar uma linha mais próxima da realidade sobre a trajetória do Graal na Europa e na história.


Inicialmente, nos primeiros três séculos após chegar em solo europeu, o cálice teria ficado na Itália. Por volta do século III, o monge São Lourenço o levou para a região dos Pirineus Orientais, na Espanha. Noutra versão, seria um ermitão de nome Juan de Atares.


Ainda, seguindo a rota sugerida nas obras literárias medievais, principalmente em Parzifal (Wolfram von Eschenbach), o cálice teria sido ocultado no monastério de San Juan de La Penha, na cadeia montanhosa dos Pirineus. Neste ponto há uma conexão real entre a obra de Eschenbach e o relato histórico do monge São Lourenço que conduziu o cálice até os Pirineus.


Ainda tomando por base a obra Parzifal, porém, havendo neste ponto um "vácuo histórico", o Santo Graal passa por Zaragoza e surge, desta vez, na Catedral de Valência, na qual há uma pequena capela, construída no século XIV, conhecida como Capela do Santo Cálice. Neste local, aos olhos dos visitantes mas protegido por um sacrário à prova de balas, encontra-se um cálice ostentado há mais de seiscentos anos como o legítimo Santo Graal.


As evidências científicas atestam que esta relíquia foi produzida entre a segunda metade do primeiro século antes de Cristo e a primeira metade do primeiro século da era Cristã. Ainda, esta peça foi produzida em ágata roxa na região de Alexandria ou Antioquia; mas, posterior-mente, já na Espanha, no século XIII, recebeu adornos de ouro e de pedras preciosas como esmeraldas e rubis, tendo o conjunto uma altura de aproximadamente 17 centímetros.
 


Portanto, é cientificamente comprovado que o Cálice da Catedral de Valência foi produzido no período e região correspondente à versão cristã do Santo Graal. Mas a Igreja não o aceita como uma relíquia religiosa e também não é possível atestar que seja este o cálice que comportou o sangue de Cristo.

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